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O Direito à Desconexão e a Indenização por Dano Existencial

06 Agosto 2024

No contexto das relações de trabalho contemporâneas, especialmente com o advento da tecnologia e do trabalho remoto, surgem novas questões jurídicas e sociais a serem debatidas.

Entre essas questões, destaca-se o direito à desconexão e a indenização por dano existencial, ambos fundamentais para a proteção da saúde mental e do bem-estar dos trabalhadores.

Direito à Desconexão

O direito à desconexão refere-se ao direito do trabalhador de se desconectar das atividades laborais fora do horário de expediente, garantindo-lhe tempo livre para descanso e atividades pessoais. Esse direito visa a proteção da saúde física e mental do trabalhador, prevenindo o esgotamento e promovendo um equilíbrio saudável entre vida profissional e pessoal.

A jurisprudência trabalhista brasileira ainda está em processo de adaptação a essa realidade. No entanto, ainda não há uma regulamentação específica e abrangente sobre o tema.

Indenização por Dano Existencial

O dano existencial é um conceito que se refere aos prejuízos causados à existência do trabalhador, ou seja, aos danos que afetam negativamente a sua vida pessoal, social e familiar, resultantes da violação dos direitos trabalhistas. Esse tipo de dano é caracterizado pela privação de atividades essenciais à realização pessoal do indivíduo, como lazer, convivência familiar e social, e o desenvolvimento de projetos pessoais.

A indenização por dano existencial surge como uma forma de reparação pelos prejuízos sofridos pelo trabalhador. Para que essa indenização seja devida, é necessário comprovar que a conduta do empregador causou efetivamente um dano à esfera existencial do empregado, prejudicando seu direito à vida plena e digna.

Relação entre Direito à Desconexão e Dano Existencial

A violação do direito à desconexão pode, frequentemente, resultar em dano existencial. A exigência de que o trabalhador permaneça conectado e disponível fora do horário de expediente pode levar ao esgotamento físico e mental, além de privá-lo de momentos de lazer e convivência familiar. Essa privação contínua e sistemática compromete a qualidade de vida do trabalhador, caracterizando o dano existencial.

Por exemplo, um trabalhador que, devido à pressão da empresa, precisa responder a e-mails e atender chamadas fora do horário de trabalho, acaba tendo seu tempo livre prejudicado. A longo prazo, essa situação pode gerar estresse, ansiedade e problemas de saúde, além de comprometer suas relações pessoais e familiares. Nesse caso, o trabalhador pode buscar reparação por meio de uma indenização por dano existencial.

O trabalho durante o período de férias também impacta significativamente o direito à desconexão. As férias são um direito garantido ao trabalhador para que ele possa descansar e se recuperar das exigências do ambiente laboral, dedicando tempo à sua vida pessoal e familiar. Quando o empregador exige que o trabalhador permaneça disponível ou realize atividades laborais durante esse período, viola-se o direito à desconexão e compromete-se a finalidade essencial das férias. Essa prática não apenas impede o pleno descanso do empregado, mas também pode configurar um dano existencial, pois priva o trabalhador de usufruir de um período destinado à recuperação e ao lazer, essenciais para a sua saúde e bem-estar.

Jurisprudência

A jurisprudência brasileira tem reconhecido o dano existencial em diversas situações. Em algumas decisões, os tribunais têm considerado a violação do direito à desconexão como um dos fatores que caracterizam o dano existencial, concedendo indenizações aos trabalhadores prejudicados.

Por exemplo, o Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região tem decisões que reconhecem o direito à indenização por dano existencial em casos onde o trabalhador foi submetido a jornadas exaustivas e obrigados a estar sempre disponíveis para o empregador, mesmo fora do horário de trabalho. Cita-se uma decisão:

JORNADA DE TRABALHO EXAUSTIVA. DANO EXISTENCIAL. DIREITO À EXISTÊNCIA DECENTE. ART. 7º, "D" DO PACTO INTERNACIONAL SOBRE DIREITOS ECONÔMICOS, SOCIAIS E CULTURAIS - PIDESC. DIREITO À DESCONEXÃO. DIREITO AO LAZER. O direito ao trabalho transcende o campo das relações econômicas laborais. Consiste numa forma de realização material e espiritual do ser humano. Refere-se à dignidade do trabalhador, sujeito do qual emana a força do trabalho, e a valores indisponíveis, em especial aqueles pertencentes à esfera da personalidade, dado que funciona como identificação do indivíduo na sociedade. Assim, é justo que a pessoa trabalhadora tenha assegurado o exercício do direito ao lazer, como necessidade biológica, dispondo de tempo livre para o repouso de seu organismo, e como meio à convivência humana, no seio de sua família e na inserção na comunidade em que vive. A jornada de trabalho excessiva, ao tolher o trabalhador do convívio familiar e social, viola o direito ao lazer e ao descanso e, por consequência, o princípio-fundamento da dignidade da pessoa humana (artigo 1º, III, da CR/88) caracterizando dano existencial, portanto, passível de reparação. Ademais, deve-se assegurar à pessoa trabalhadora o direito à desconexão do trabalho (art. 24 da DUDH, art. 7º, d, do PIDESC, art. XV da DADH e art. 7º, XIII, CF/88) com medida de prevenção e precaução para se assegurar o meio ambiente laboral saudável e equilibrado (art. 225 c/c art. 200, VIII da CF/88). (TRT da 3.ª Região; PJe: 0010186-57.2023.5.03.0167 (ROT); Disponibilização: 08/11/2023, DEJT/TRT3/Cad.Jud, Página 1162; Órgão Julgador: Primeira Turma; Relator(a)/Redator(a) Convocada Adriana Campos de Souza Freire Pimenta)

Conclusão

O direito à desconexão e a indenização por dano existencial são temas de grande relevância nas relações de trabalho contemporâneas. A proteção desses direitos é essencial para garantir a saúde, o bem-estar e a dignidade dos trabalhadores, promovendo um equilíbrio justo entre vida profissional e pessoal. A evolução da legislação e da jurisprudência sobre esses temas é fundamental para adaptar o ordenamento jurídico às novas realidades do mercado de trabalho, assegurando uma proteção adequada aos direitos dos trabalhadores.